Certamente que se estão a questionar onde é que está o homem-golo, o concretizador, o goleador. Pois…
Não consigo pronunciar-me sobre as últimas exibições e jogos do Benfica (Bolonha e AVS) sem me ocorrerem os conceitos que intitulam este artigo.
Já aqui me pronunciei sobre o sub-rendimento de alguns jogadores-chave na estrutura do futebol praticado pelo Benfica, cuja maior visibilidade faz destacar o Aursnes, o Kökçü e o Aktürkoglu, mas que acaba por me fazer pensar na propalada espinha dorsal que é de uma influência decisiva em qualquer equipa – e o Benfica não foge à regra – pois, por mais coesa que a mesma seja, há sempre uns mais (o que não significa que os outros sejam uns menos) e que, no caso do Benfica, são perfeitamente identificáveis nas figuras do Tomás Araújo (por tudo e mais alguma coisa, que os adjetivos já me vão faltando), do Florentino (pela consistência e pela capacidade de estancar a transição ofensiva dos adversários através das sucessivas recuperações de bola), do Kökçü (na construção), do Aktürkoglu (na finalização, nos repentismos, no esticar do jogo e nas assistências), do Di María (porque ainda faz magia) e do Aursnes (por tudo).
Certamente que se estão a questionar onde é que está o homem-golo, o concretizador, o goleador. Pois…
Ora bem, porque, sem prejuízo da idolatria e das suas características inatas e trabalhadas para fazerem o que poucos de nós (ou nenhuns) conseguiriam fazer no lugar deles, estamos a falar de seres-humanos que, como tal, têm as suas limitações, cansam-se, desgastam-se, têm dias menos bons e tudo o mais que vos possa ocorrer. Logo, não são sobre-humanos e, muito menos, sobrenaturais.
Como tal, isso tem influência direta na forma como a equipa se apresenta, ou se ausenta, como sucedeu na 1ª parte dos jogos com o Bolonha, ou na 2ª parte do jogo com o AVS.
É assim tão lesa-pátria? Não é que tenhamos de ser condescendentes, até porque a exigência exige-se e, no Benfica, nem pode ser de outra maneira.
No entanto, tentemos compreender e olhar para estes homens como eles são… humanos!
Num magnifico artigo publicado na edição do jornal Expresso de dia 29 de novembro, e cuja leitura vivamente aconselho, Luís Cristóvão aborda o resultado de um estudo que indica que os jogadores profissionais não deveriam exceder a realização de 55 jogos por época, com 28 dias de férias e 14 dias de interregno ao longo da mesma. Quando olhamos para o calendário futebolístico, acrescido, por exemplo, de mais jogos no novo formato da Liga dos Campeões e da criação de mais uma competição, correspondente ao Mundial de Clubes, a que lhe juntamos as Ligas, as Supertaças, as Taças Nacionais e das Taças das Ligas, mais as competições de seleções (mundiais, europeus, Copas Américas, Ligas das Nações), chegamos a uma nada brilhante conclusão que estamos perante uma sobrecarga sobre-humana, do foro do sobrenatural, que só pode desencadear sub-rendimento.
Atentem no jogador com mais jogos disputados na última época que, para ele, durou 14 meses ininterruptos, durante os quais foi convocado para 83 jogos, tendo disputado 75, mas não se livrando – mesmo quando não jogou – do desgaste das viagens e da tensão competitiva. É de loucos! E, já agora, estou a falar do Julián Alvarez, internacional argentino atualmente ao serviço do Atlético de Madrid.
Se nós, genericamente, nos cansamos de trabalhar 8h por dia, 5 dias por semana, em ambiente controlado, com liberdade para conciliar a vida profissional com a vida pessoal, ponham-se no lugar destas pessoas. Bem sei que ganham num mês o que muitos de nós não ganharemos na vida toda, mas não é o dinheiro que move um corpo cujas limitações físicas e de performance só podem ser superadas com uma adequada gestão competitiva e uma superlativa capacidade e competência por parte dos treinadores, a quem, cada vez mais, se pede, não só para pôr os jogadores e a equipa a jogar, mas, também, para gerir a sua condição física, a sua performance exibicional e a sua carga competitiva. Depois ainda dizem que um plantel com 25 jogadores chega perfeitamente…
Eu, como não gosto que “brinquem” com a minha vida, também não gosto de “brincar” com a vida dos outros e não embarco na demagogia de quem diz “isto é o Benfica… não fazem mais nada na vida… e ganham mais que o suficiente para estarem sempre numa performance top”. Quem o diz – passe a eventual – ofensa, ou não sabe o que está a dizer, ou não vive no mesmo mundo em que todos vivemos, ou, então, considera que a IA já chegou ao futebol e transformou seres-humanos em autómatos, nos quais basta ir carregando em botões para satisfazer os nossos desejos, de forma dirigida e mecanizada.
Tenham juízo… ser benfiquista é ser exigente, mas também é ser coerente, tolerante e, se me permitem, ser inteligente, pois, para adeptos estupidificados, já nos bastam os dos nossos rivais.
Que não nos percamos na ilusão de uma névoa que todos esperamos não se volte a abater sobre a Choupana…